segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Zé Ramalho, o grande poeta cantador

"O autor de uma poesia-quimera é cheio de pequenas maravilhas. Sua escrita é recheada de mistérios e misticismos que só alguém muito sincero poderia captar"

Por Vinícius Masutti*
Especial para o Diário de Cuiabá

Apresento hoje um poeta de outra esfera, talvez de alguma longínqua estrela que orbita no universo da poesia-quimera. Um poeta cantador. Não um mero cantor, mas um declamador, um versejador que tem na voz um motor que em alta combustão espalha a explosão de sentimentos pelo ar e a sensação que temos, é a de que o vento foi quem cantou este ou aquele poema.

Zé Ramalho não tem livros com rótulos de poemas, mas faz música com seu treponema, sua paixão e seus dilemas. Em suas letras, encontramos algumas centenas de belos poemas que o poeta engendra com substância e os encena com uma abundância astuta e um semblante de tristeza e relutância matuta de quem tem a alma serena e a mente madura.

A sonoridade de sua música permeia o ambiente e dá a seus poemas, uma potência latente que só o poeta entende. E poeta é quem lê a gente. Zé traz na fala a fúria da vida dura que o trouxe até as grandes capitais nos idos de 1970. Naquele presente já passado, cantava em seus versos os mistérios, novos e velhos que encontrava no mundo.

Adonai, por exemplo, é uma saudação hindu, que serve também como mantra e que nosso poeta canta com uma leve alteração e se torna Avôhai, um dos mais conhecidos poemas seus, que não tem refrão e nem repetições (mas nos traz boas reflexões). Zé afirma que é sua única letra psicografada, e que a escreveu de uma vez só, enquanto ouvia em sua cabeça de poeta uma certa voz que repetia “Avô e pai”, o mantra a que me referia.

A complexidade de sua escrita é absurda. Em “Beira-mar”, utiliza uma modalidade de cantoria de viola em que o poema deve ter doze sílabas tônicas em cada uma das dez linhas que compõem cada estrofe. Neste tipo de cantoria é necessário ainda que se aborde os mistérios e belezas do mar, pois é lá onde as quatro forças da natureza se encontram. A água, a terra, o vento do ar e a luz do sol. E cada estrofe deve acabar com a expressão “Beira do mar”.

Zé Ramalho é cheio de pequenas maravilhas. Sua escrita é recheada de mistérios e misticismos que só alguém muito sincero poderia captar. Em “A peleja do Diabo com o Dono do Céu”, seu segundo disco de poemas, está a canção “Garoto de Aluguel”, em que fala sobre a comercialização do sexo com profundo sentimento, pois viveu a experiência na pele quando morava no Rio de Janeiro.

Foi no mesmo Rio, quando Zé ainda passava por dificuldades que nasceu um dos mais belos retratos de nossa sociedade. Admirável gado novo é uma brincadeira (seríssima) com o livro de Aldous Huxley, Admirável mundo novo, onde descreve com beleza a tristeza da nossa gente. A música condensa todo um pensamento filosófico e da melhor forma possível. Em forma de poesia, que é combustível para a minha e outras escritas.

Cada música de Zé Ramalho é um poema singular, com uma história única e espetacular, e por isso não posso aqui dissertar sobre cada uma delas, mas cabe á você leitor, ouvi-lo recitar e se deliciar com a sabedoria do poeta cantador. Fica aqui apenas um exemplo do poder que Zé tem de poetizar a vida.


Fonte: Diario de Cuiabá

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