terça-feira, 1 de junho de 2010

Dez anos de Zé Ramalho

"Poeta do apocalipse", "místico" e "visionário" são alguns apelidos que Zé Ramalho •ganhou ao longo de sua carreira. Paraibano, cresceu ouvindo música nordestina e a ela uniu influências do pop urbano, principal­mente na parte instrumental.


Depois de fazer parte da banda de Alceu Valença, seguiu sozinho, lançou bons discos e conquistou seu lugar entre os "nordestinos" da MPB. Zé está completando 10 anos de carreira e lança seu 9 elepê, "Décimas de um Canta­dor" (CBS).


O título não se relaciona com a data, pois "décimas significa a modalidade dos versos, ou seja, versos de 10 linhas e cada linha com sete sílabas, de acordo com a linguagem de cantoria dos repentistas", explica Ramalho.


A mistura de sertão e capital produzida por Zé Ramalho continua neste disco que tem a particularidade de também fazer uma releitura de trabalho anterior do músico, em sucessos seus já gravados por outros ("Lua Semente" e "Mulher Nova Bonita e Carinho­sa faz o Homem Gemer sem Sentir Dor", ambas já gravadas por Amelinha), através de músicas incidentais ou pela presença dos Beatles, a maior influência estrangeira.


"Acredite Quem Quiser" é definida por Zé como "uma oração, um pedido a todos 'os deuses, crenças e fés", um spiritual (gênero entoado pelos escravos americanos nas igrejas) em estilo nordestino, que tem "Admirável Gado Novo'" (um dos maiores sucessos de Ramalho) como música inci­dental.
"Number 9" (do "Álbum Branco" dos Beatles) serve de abertura para "Décimas 'de um Cantador", poema de Zé (incluído no livro "Carne de Pescoço", de 1982) musicado pelo parceiro Flaviola; na balada "Pelos Telefones", Ramalho homenageia Bob Dy­lan, utilizando "Lay Lady Lady" como música incidental;
"Aldeias de Borborema" é uma tentativa de Ramalho para unir "Ocidente e Oriente" através da música nordestina, on­de ele consegue fazer uma viola soar em alguns momentos como se fosse uma cítara indiana:
"Mary Mar" é uma marchinha estili­zada cujo refrão é bem antigo, da época em que Zé cantava pelos bares de João Pessoa e era apaixonado por uma garota chamada Mary: os Beatles voltam em "Ser Boy", ver­são de "This Boy", uma homenagem a Lo­bão; "Hino de Duran" (de Chico Buarque). tema da "Ópera do Malandro", tem um des­fecho bem interessante, pois a música inci­dental ("Deixa Isso Pra Lá", velho sucesso de Jair Rodrigues), apesar de modificar total­mente o ritmo do "Hino", o faz de uma ma­neira tão suave que parece fazer parte do originai. Das músicas anteriormente grava­das por Amelinha, "Mulher Nova..." é o des­taque, recriada no clima de repente.


Hoje Zé não faz um trabalho tão acessível ao grande público, como nos seus primeiros discos. Depois de uma fase ruim. recupe­rou-se da falta de criatividade no elepê ante­rior e. agora, nos brinda com um dos mais interessantes álbuns de sua carreira.
Fonte: Jornal da Tarde em 15/09/1987 Salvador BA.

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