quinta-feira, 5 de julho de 2012

Zé Ramalho foca sinais dos tempos com olhar alquimista em CD fiel à sua obra

A pose de profeta esboçada por Zé Ramalho na capa do 26º título de sua discografia oficial, Sinais dos Tempos, já evoca o caráter mí(s)tico da obra deste cantor e compositor paraibano.

Sinalizadas já no nome do álbum, as reflexões sobre os efeitos do tempo são o mote deste trabalho em que o artista se conecta ao começo áureo de sua discografia não somente pelas questões alegóricas de natureza espiritual, mas sobretudo pela sonoridade. Urdida por Ramalho com Robertinho de Recife, coprodutor do álbum, essa sonoridade autorreferente faz com que Sinais dos Tempos se imponha como disco extremamente fiel ao universo particular de Ramalho.

Diferentemente do gregário Parceria dos Viajantes (2007), pautado por colaborações na composição e na gravação do repertório inédito, Sinais dos Tempos é álbum de criação solitária. Ramalho assina sozinho as 12 inéditas deste disco que busca conexão com os álbuns que sedimentaram a obra do artista. "O tempo vai passando / E, com ele, eu vou / Não deixo para trás / Nada do que eu sou", já avisa Ramalho nos versos iniciais da faixa que abre o disco, Indo Com o Tempo, cuja pegada bluesy é dada pela guitarra de Jesse Robinson. Na sequência, a balada Sinais dá continuidade às reflexões sobre a passagem do tempo com toques de misticismo que vão se tornar recorrentes ao longo do disco.

Se o ritmo cadenciado do xote dá tom mais leve a Um Pouco do que se Queira, Olhar Alquimista foca a psicodelia em que está embebida parte da obra inicial do compositor. Símbolos de seu universo místico aparecem em O Começo da Visão. Tudo em Sinais dos Tempos parece ter sido pensado para remeter de forma quase imediata aos três primeiros essenciais álbuns do artista - Zé Ramalho (1978), A Peleja do Diabo Com o Dono do Céu (1979) e A Terceira Lâmina (1981) - e, talvez por isso, seu repertório soe tão familiar já na primeira audição.

Se a música A Terceira Lâmina serviu de inspiração para Lembranças do Primeiro, O Que Ainda Vai Nascer incorpora elementos de Beira-Mar (música do álbum de 1979) enquanto a agolapada A Noite Branca - um dos destaques da atual safra de inéditas de Ramalho - faz referência direta à lisérgica A Noite Preta, música do primeiro álbum do artista. Nesse confronto da produção atual com a antiga, a inspiração melódica se revela naturalmente mais escassa, mas sem comprometer o bom resultado do álbum.

Até porque os arranjos do produtor e guitarrista Robertinho de Recife - profundo conhecedor do universo particular de Ramalho - valorizam canções ligeiramente menos inspiradas como O Começo da Visão, Portal dos Destinos e Rio Paraíba. No fecho, Anúncio Final adensa e reitera o tom místico do disco. Desafiando os sinais dos tempos, o profeta atravessa gerações com o habitual olhar alquimista.


Fonte: Mauro Ferreira- Notas Musicais

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